A caixa preta de Vilém Flusser

Após a morte da família em campos de concentração, o filósofo tcheco Vilém Flusser e a esposa Edith Barth fugiram para o Brasil por volta de 1941. Foi aqui que Flusser construiu sua carreira como filósofo e em 1983 lançou, primeiro em alemão, o livro Für eine Philosophie der Fotografie. O livreto com menos de 80 páginas na versão em português Filosofia da Caixa Preta, traduzido pelo próprio Flusser anos mais tarde, pretende dar base a uma futura filosofia sobre a fotografia.

O autor discorre sobre a relação aparelho-operador, mostrando que a diferença entre ferramenta e aparelho é que a ferramenta estava a serviço do operador, já o aparelho é o controlador do homem, no caso, o fotógrafo ou cinegrafista. “A competência do aparelho fotográfico deve ser superior em número de fotografias à competência do fotógrafo que o manipula”. Isso porque, segundo Flusser, ferramenta é pré-industrial e aparelho pós.

Essa colocação histórica traz uma outra mudança de conceito, que é a do funcionário. Para Flusser, o fotógrafo não é trabalhador/funcionário, porque ele não trabalha, mas sim brinca com o aparelho. Diante das limitações que esse processo tão complexo chamado Caixa Preta, uma metáfora à câmera fotográfica, o homem brinca como se fosse um jogo de xadrez em busca de novas possibilidades, um jogo contra o próprio aparelho. “Pelo domínio do input e output, o fotógrafo domina o aparelho, mas pela ignorância dos processos no interior da caixa, é por ele dominado”.

A dominação e limitação do fotógrafo continua sendo desenvolvida ao longo do livro, mas além disso, Flusser discute a fotografia em si, não valiosa fisicamente, por se tratar apenas de um papel barato e de fácil distribuição, mas o valor da informação contida nela. E nesse valor estão embutidas duas intenções, a do fotógrafo, que no ato de fotografar escolhe o alvo e o enquadramento, sempre lutando contra a segunda intenção, que é da própria câmera fotográfica. A intenção da câmera, ou dos programadores, é de que o aparelho continue se aperfeiçoando.

Por fim, Flusser conclui que é necessário uma filosofia da fotografia, porque o homem está refém do aparelho. Algo parecido com o que acontece em Avengers: Age of Ultron, em que a máquina construída pelo homem para ter autonomia leva à inversão dos papéis entre máquina-homem. Para Flusser, isso só irá mudar quando o operador jogar contra o aparelho, ele diz: “Toda filosofia trata, em última análise, do problema da liberdade.”

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